_ Posso te confessar uma coisa?
Ela o encarou com um olhar de obviedade. Ele já a conhecia e sabia desse olhar, então seguiu em frente ainda que ela não tivesse reproduzido uma palavra.
_ Acho que não sei chorar.
Ela permaneceu fitando-o, levantou uma sobrancelha e nada disse.
_ Será que você pode expressar com palavras o que você está sentindo ou pensando?
_ Como não consegue chorar? Seu coração virou pedra de gelo que não derrete nem mesmo nesse asfalto quente?
Ele sorriu. Ela sempre conseguia misturar realidade e poesia. Nada de conseguir voar ou teletransporte, se ela fosse super-heroína, não conseguia imaginar outro poder mais incrível para ela do que esse.
_ Talvez nem o asfalto quente o derreta... De que é feito seu coração?
_ Bom... - pensou por um momento. _ Se o seu coração é feito de gelo, o meu é feito de água líquida, pronta para ser bebida.
_ Por que você está sempre pronta para amar?
_ Não. Porque eu sempre choro por tudo!
Gargalharam juntos, enquanto gaivotas voavam lá no céu, indicando que o fim da tarde chegara.
_ Como não consegues chorar?
_ Não sei... Já tentei. Mas meus olhos nunca ficam marejados e as lágrimas nunca caem. Nunca tive a sensação de chorar descontroladamente, até ficar com os olhos inchados.
_ Entendo. - olhou para o céu, seguiu com os olhos as nuvens que passavam, acompanhando o vôo das gaivotas para oeste. _ Tive uma ideia! - falou saltitante. _ Preciso me concentrar. Fica quieto!
Então ela pensou no dia em que seu pai morreu. Sua primeira experiência com a morte. Antes disso, a morte era como estrela cadente, só ouvira falar, mas nunca presenciara. Lembrou-se do homem que o pai era, das vezes em que brincaram de avião e ele a jogava para o alto - parecia que ela poderia alcançar o sol - e de quando fizeram, juntos, um bolo de aniversário para sua mãe.
Logo chorou. Seus olhos seguiram o ritual que o amigo tanto pedira para que acontecesse com ele: os mesmos ficaram marejados e depois as lágrimas desceram pela face. Ela passou o dedo na bochecha molhada e passou o líquido no mesmo local do rosto do outro. Ele sorriu ao toque.
_ Pronto. Agora você pode chorar também
_ O que isso significa? - ele perguntou, de forma simples, sem qualquer tipo de repressão
_ Significa que eu estou do seu lado pra tudo: para doar lágrimas ou para olhar o fim da tarde passar.